Há uns anos (tantos anos) nós estariamos sentados todos no jardim da escola no canto reservado às quatro ou cinco pessoas que lá se sentavam, precisamente de 50 em 50 minutos. A vida era difícil, os namorados estavam longe, ou ainda não tinham aparecido, a farda era horrivel, ninguem gostava de nós, o objectivo de vida dos professores era dar-nos más notas e dizer coisas desagradaveis.
Sentavamo-nos alí todos os dias, às vezes (durante os recreios grandes) comíamos um pão e um lemon cha que nos sabia pela vida. O Rui, sempre a chatear dirte-ia qualquer coisa, sempre com muita piada e nós sem maldade, riamo-nos muito...Não era de ti, era porque o Rui por mais maldoso tinha sempre muita piada.
Eras a mais nova de todas e nós gostavamos todos muito de ti (acho que até mesmo o Rui), era uma pena que tu não soubesses disso.
Nessa altura ainda tinhas o cabelo muito encaracolado, o que te afligia imenso...Nesses dias era o que nos afligia, os cabelos, os topes, as calças de ganga que só compravamos no verão quando iamos a Portugal... Ah Portugal... Lembras-te como nós gostavamos de Portugal?
Não sei se era o ar, o cheiro de Lisboa, a luz e o céu azul, mas qualquer coisa nos fazia amar aquele país que não conhecíamos. No fundo era só o facto de não vivermos lá, mas esses dias cheios de esperança e fé na felicidade certa das férias de verão deixam-me saudades.
O futuro interessava tão pouco, e eu sempre tão certa de mim própria recitava para mim a quantidade de coisas que eu, só eu, sabia...datas ,nomes, acontecimentos, livros, escritores, poemas... Bons tempos, cheios de sol, é uma pena que nós fôssemos tão certas da nossa infelicidade imposta.
Desculpa, é verdade, nunca te cheguei a pedir desculpa por me arreliar tanto contigo. Não fazias nada de mal só trocavas o lugar dos verbos e dos pronomes, e eu era mesmo chata contigo.
As coisas muito más só acontecem aos outros, porquê que os teus pais não te deixavam sair de casa até tarde, lembras-te? Ficavas sempre tão chatiada...
As coisas más só acontecem aos outros, somos tão novas, a vida está só a começar e tu etás tão feliz. Tens um namorado, chama-se André, a tua má nota a DGD não teve mal nenhum e conseguiste ir para uma universidade. És inteligente, já não te enganas nos verbos, e o teu cabelo e o teu corpo já são como tu gostas. Ah aqueles anos horriveis das hormonas saltitantes já estão a passar, a vida é bela e tu vais finalmente para Portugal...É tudo tão prefeito que já não cabes em ti de felicidade...
Nem sabes como eu odeio o tipo que ia a conduzir aquele carro. Odeio-o muito, com muita vontade e ele pode ter filhos e mulher e mãe, que a mim não me faz diferença. Ele roubou-te tudo, Raquel tudo...até o teu namorado chamado André. Pior que tudo roubou-te anos, os que passaram e que tu nunca te vais lembrar e os que hão-de vir.
Desculpa não te ir ver ao teu quarto, em lisboa debaixo do sol e do céu azul que tanto desejavamos, desculpa todos os amigos e memórias que perdeste.
Eu só queria que me respondesses baixinho, mesmo com verbos e pronomes trocados, que te lembras, claro que te lembras do cantinho do jardim onde nos sentavamos a falar mal da vida feliz que tinhamos.
As coisas muito más só acontecem aos outros, e tu ainda estás feliz a passear por Lisboa, com o teu namorado chamado André! Não existe a cadeira de rodas, e tu ainda te lembras de mim.
Beijinhos,
Sarah
1 comment:
ja nao existe a cadeira de rodas! ja nao existe! ela ja andaaaaa! tou feliz =)
gostei muito! acho que ela merece! ;)
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